Um rei barbudo chamado Grauwacke olhava satisfeito para seu pequeno reino do alto de uma torre de seu castelo. Um sorriso desalinhado surgiu por entre os pêlos.
Longe dali, já longe dali, a esposa de Grauwacke era raptada relativamente contra sua vontade por um cavaleiro encapuzado de mãos fortes e decididas.
O rei constatou que sua amada não estava no castelo após encontrar seu leito intacto àquela hora da noite e envolver dezenas de pessoas numa detalhada busca pelo castelo e pelos arredores. Mas já era tarde.
Uma semana após o sumiço da rainha, Grauwacke recebeu uma mensagem do reino vizinho. Foi com horror e tristeza que o rei leu:"Sua rainha serve agora ao rei Jánus."
Em seu desespero, o rei buscou o auxílio e o conselho dos dois bispos de seu reino.- Vá atrás dela - disse-lhe um deles.- Se não pelo seu amor, pela integridade de seu reino. Se necessário, iremos também!
Ciente das limitações de seu reino em termos de capacidade bélica mas confiante por saber estar em pé de igualdade com o reino de Jánus, Grauwacke reuniu oito soldados, dois cavaleiros, duas torres de guerra e os dois bispos e partiu em busca de sua esposa.
No castelo de Jánus, a prisioneira circulava livremente pelos aposentos reais, enquanto a rainha que originalmente ocupara aquela cama exilava-se num quarto escuro. O reino todo estava em polvorosa e os habitantes, cientes da traição do rei e já descontentes com a sua usual tirania, calaram-se e abaixaram as cabeças quando a comitiva de Grauwacke atravessou seus vilarejos.
Já era praticamente tarde demais quando o castelo de Jánus foi tomado. Seus soldados e cavaleiros, pregos de surpresa, resistiram bravamente e mataram seis soldados de Grauwacke, um de seus cavaleiros e um dos bispos antes de sucumbirem. As torres de guerra de ambos os lados foram destruídas na terrível batalha.
O bispo que sobrevivera mostrou-se bastante abalado com a morte do amigo. Percebendo isso, Grauwacke ordenou ao último de seus cavaleiros e aos dois soldados que encontrassem e executassem os dois bispos do reino de Jánus. Grauwacke e o bispo subiram aos aposentos reais. No meio da larga escadaria, entraram por uma porta que dava no comodo em que se encontrava a exilada esposa de Jánus. Deprimida e mal-alimentada, obivamente a mando do rei que provavelmente a mantivera viva por causa de algum amor remanescente ou só pela diversão de vê-la definhar aos poucos, a rainha acuava-se como um bicho e chorava compulsivamente. Por pena ou vingança, Grauwacke matou-a com um golpe de espada, não sem antes permitir que o bispo lhe desse a extrema unção.
Nos aposentos reais, Grauwacke encontrou sua esposa. Pegou-a nos braços e com ela retornou ao seu reino após encontrar-se com o cavaleiro e os soldados que haviam cuprido sua tarefa de assassinar os bispos locais. A única lacuna havia sido não encontrar Jánus, mas Grauwacke tomou-o por covarde e convenceu-se de que a destruição de seu exército e a morte dos bispos e da sua esposa seria vingança suficiente.
Jánus escondera-se num cômodo secreto de seu castelo. Quando de lá saiu e viu sua morada devastada e sua esposa morta, Jánus equipou-se e saiu à busca de Grauwacke e do que restara da comitiva. Ia rapidamente e por atalhos e, portanto, pegou-os desprevenidos numa curva da estrada. Cheio de fúria e determinação, livrou-se dos soldados com dois golpes certeiros. O bispo foi jogado para fora de seu transporte e morto logo em seguida. Enquanto Grauwacke fugia com a rainha, o cavaleiro lutou bravamente com Jánus, mas uma falha sua fez com que o rei vencesse a batalha, degolando o oponente e voltando a perseguir Grauwacke. Em poucos minutos Jánus o encurralava num remanso da estrada. Com um golpe rápido, vingou a morte de sua rainha e viu com prazer a esposa de Grauwacke, com os olhos muito abertos, cair morta sobre a terra. Estava muito escuro.
- Agora é entre nós - disse Jánus, seus olhos brilhando alucinadamente no escuro.
Desmontados, os dois reis fitavam-se anonimamente com as espadas desembainhadas, acuando-se mutuamente como dois lobos que conhecem a força do inimigo. Embora procurassem não revelar seu medo ao oponente, ambos temiam, no fundo, que qualquer investida mais ousada pudesse significar a morte. Esta dança se manteve por horas a fio. O sol subiu ao céu e lá continuavam eles, encarando-se atentamente. E assim ficariam eternamente se não tivéssemos decidido parar com essa bobagem e ir logo tomar um café.
post by Ellen Giese